Setembro é o Mês da Bíblia para os católicos - para os evangélicos o Dia da Bíblia é, no Brasil, o segundo domingo de dezembro.
O Mês da Bíblia surgiu há 39 anos [1971], por ocasião do 50º aniversário da Arquidiocese de Belo Horizonte. Desde então tem destacado a importância da leitura, do estudo e da contemplação das Sagradas Escrituras.
Na verdade, o Mês da Bíblia contribuiu muito para o desenvolvimento da Pastoral Bíblica no âmbito paroquial e diocesano.
A Comissão Episcopal responsável pela Animação Bíblico-Catequética, juntamente com as Instituições Bíblicas, propõe para o ano de 2010, no mês da Bíblia, o estudo e a meditação do Livro de Jonas, com destaque para a evangelização e a missão na cidade .
A V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, em Aparecida, SP (2007), também destacou o valor do mandato missionário.
Os encontros sobre o livro de Jonas ajudarão a Igreja a vivenciar o mandato missionário no enfrentamento de novos desafios, isto é, anunciar o Evangelho do Reino a outros lugares onde se encontram muitos batizados não evangelizados.
Na linha do ecumenismo e do diálogo inter-religioso, o livro de Jonas reforça a universalidade do amor de Deus. A escolha deste livro bíblico para o mês de setembro tem por objetivo tirar os católicos do comodismo e do julgamento preconceituoso e os encaminhar para a evangelização da cidade.
O profeta
Sobre a figura de Jonas, são poucas as informações que temos. Conhecemos este profeta por ter sido engolido e ter passado três dias e três noites no ventre de um grande peixe (Jn 2,1).
No segundo livro dos Reis, temos algumas informações sobre Jonas. Nasceu em Gate-Hefer, perto de Nazaré, a cidade de Jesus, Maria e José. Conforme 2Reis 14,25-27, profetizou no Reino do Norte, durante a época de Jeroboão II, rei de Israel, no séc. VIII a.C. (783a.C.-743 a.C.) sendo contemporâneo dos profetas Amós, Miquéias e Naum.
O Livro
O livro não foi escrito por Jonas. É uma novela popular. Uma parábola que convida o povo a uma profunda conversão.
No segundo período persa (445 a.C.-333 a.C.), os sábios eruditos recolhiam os provérbios populares antigos organizando-os em grandes coleções. Paralelamente a esse trabalho, o povo das aldeias criava histórias, novelas, parábolas e teatros para criticar o fechamento da elite religiosa comandada por Esdras.
O livro de Jonas, assim como Jó, Rute e Cântico dos Cânticos, denuncia o fechamento de Israel em relação aos outros povos.
Os sábios contavam suas histórias projetando no passado seus conflitos e lutas. Como foi dito, Jonas é um personagem do século VIII a.C., quando Jeroboão II era rei de Israel (783 a.C.-743 a.C.). Nínive já tinha sido destruída antes do exílio babilônico. O povo buscava luzes nessas histórias passadas para compreender melhor sua missão no contexto histórico em que viviam. Os primeiros cristãos viam na figura de Jonas, que passa 3 dias no ventre da baleia e anuncia a palavra de Deus em Nínive, um símbolo da ressurreição de Cristo e salvação da humanidade. Deus salvou o profeta para salvar os gentios. Deus ressuscitou Cristo para salvar todos os povos.
A parábola de Jonas traz-nos este grande ensinamento: Jonas é missionário rebelde da comunidade, que se recusa a sair para anunciar a salvação aos de fora. Enquanto dorme no navio, os marinheiros estrangeiros se empenham para salvar o que podem e rezam muito a seus deuses pedindo socorro. Enquanto Jonas resiste contra a ordem de Deus para pregar em Nínive e depois torce para que a cidade seja destruída, os ninivitas se convertem e alcançam a salvação que vem de Deus. Deus não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva (Ez 18,23.32).
Na Bíblia, o livro de Jonas faz parte da coleção dos livros proféticos. Está entre os livros de Abdias e Miquéias. Mas em vez de anúncios, denúncias ou oráculos, o que vemos é uma narrativa no estilo de uma parábola ou novela.
Na tradição judaica o livro de Jonas é lido no Dia do Perdão (Yom Kippur). Neste dia os judeus fazem um jejum de 25 horas com muita oração. Celebram a grande misericórdia de Deus.
Na tradição cristã, a história de Jonas é contada nas primeiras comunidades. A passagem de Jonas no ventre do peixe prefigura a morte e ressurreição de Jesus (Mt 10,40).
A história de Jonas é lida na liturgia da Igreja Católica na 27ª semana do Tempo Comum na 2ª, 3ª e 4ª feiras (Jn 1,1-2.11; 3,1-10; 3,10-4,11) e na Quaresma (Jn 3,1-10) para lembrar o tempo de penitência e conversão.
Diferentes interpretações
A – Interpretação histórica
Muitos interpretam os acontecimentos narrados no livro de Jonas como se fossem fatos históricos. Consideram que tudo o que está escrito ali é história verdadeira, caso contrário a Bíblia estaria mentindo.
Provas arqueológicas mostram que, historicamente, Nínive não era tão grande como vemos em Jn 3,3 e, segundo a História das Religiões, Nínive nunca se converteu. Além do mais, um homem não poderia sobreviver no ventre de um peixe durante três dias.
Este tipo de interpretação dispensar-nos-ia de uma reflexão mais ampla e profunda do livro.
B – Interpretação alegórica
Nínive é símbolo do mundo gentio. Jonas é Israel que se recusa a cumprir sua missão (fuga para Társis). O peixe que engole Jonas simboliza o exílio da Babilônia. O reenvio de Jonas para a missão é símbolo da missão dos repatriados. O mal-estar de Jonas em não aceitar o perdão dos gentios simboliza o povo que volta do exílio fechado em suas tradições como Neemias, Esdras, Joel e Abdias.
Restam ainda as perguntas: quem são os marinheiros do navio que atiram Jonas no mar e se convertem a Iahweh? Qual o significado da mamoneira que nasce e seca de repente, tirando o passageiro conforto de Jonas?
Um exegeta chamado Smith diz que a mamoneira seria Zorobabel. Mas, segundo Luiz Alonso Schokel, esta interpretação é arbitrária e por isso não merece crédito.
C – Parábola
O que o livro de Jonas pretende ensinar? Há várias respostas:
a) A relação entre eleição e universalismo.
b) A atitude que Israel deve adotar em relação aos estrangeiros.
c) Mostrar a misericórdia de Deus que não cumpriu as antigas ameaças contra Nínive.
d) O relato quer mostrar as relações entre o profeta e Deus; o chamado à conversão ou à atividade missionária.
e) A interpretação que se impõe apresenta o livro de Jonas como chamado ao universalismo contra o nacionalismo e a xenofobia do período pós-exílico.
D – Interpretação cristã
Na cristologia das primeiras comunidades, apenas a permanência de Jonas no ventre do peixe é comparada à descida de Jesus ao Xeol (Mansão dos Mortos) em Mateus 12,38-45.
O paralelismo não vai além disso, pois Cristo jamais foge de Deus e de sua presença, não opõe resistência ao chamado de Deus, não desce ao seio da terra (Xeol) por causa de seus pecados, não se revolta contra Deus. Como podemos ver, Jesus Cristo é o contrário de Jonas, abre a salvação para todos os povos. Jesus segue os desígnios de Deus. Faz o que Jonas se recusava a fazer: salvar a humanidade toda.
Estrutura do livro
Primeira parte – capítulos 1-2 Segunda parte – capítulos -3-4
1,1-2: o chamado de Jonas. 3,1-2: o chamado de Jonas.
1,3: Jonas levanta-se e foge 3,3: Jonas levanta-se e vai a Nínive.
1,4: Ação de Iahweh. 3,4: Ação de Jonas – pregação.
1,5: Ação dos marinheiros. 3,5: Ação dos ninivitas – jejum.
1,6: O capitão reconhece o poder da divindade na tempestade do mar. 3,6-8: O rei reconhece o poder de Deus, faz penitência e proclama um jejum.
1,7-13: Os marinheiros descobrem o culpado. 3,8b: A ordem para a conversão.
1,14: Os marinheiros rezam a Iahweh. 3,9: A oração move a ação de Deus.
1,15: Jonas é lançado ao mar. Cessa a tempestade. 3,10: Deus se arrepende e não destrói Nínive.
1,16: Os marinheiros temem a Iahweh. 3,5: Homens de Nínive creram em Deus.
2,1: Iahweh salva Jonas. 4,1.5.8c: Jonas se revolta contra Iahweh.
2,2-10: Jonas reza um salmo e agradece a sua salvação. 4,2-4: Jonas reza.
2,11: Iahweh responde – Jonas é devolvido à terra firme. 4,4.6-8b.9: Deus responde a Jonas com uma pergunta.
Quando foi escrito o Livro de Jonas?
Os judeus consideram Jonas um profeta do século VIII (2Reis 14,25), pois é colocado entre os livros de Abdias e Miquéias. Alguns estudiosos situam o livro de Jonas no século V, período persa, como reação ao nacionalismo exagerado de Esdras e Neemias. Outros o situam no início do período grego, final do século IV.
O objetivo do livro é transmitir um ensinamento às pessoas que vivem no tempo em que o livro foi escrito.
Chaves de leitura
a) Nacionalismo Judaico
Deportações e destruição do Templo de Jerusalém pelo rei da Babilônia em 597a.C. e 586a.C.
Exílio da Babilônia. Exilados na Mesopotâmia e em Judá.
Decreto de Ciro rei da Pérsia. Os que estivessem longe de suas terras poderiam retornar.
Surgiu no exílio a idéia do povo eleito para conservar a unidade e identidade do povo de Israel.
Depois do Exílio o grupo que retorna para Judá reconstrói o Templo e Jerusalém.
A reconstrução da comunidade gira em torno da Lei e do Templo.
Sob Esdras e Neemias (450 a.C.-350 a.C.) a comunidade se fecha. Os judeus se consideram o único povo eleito, santo e privilegiado por Deus.
Esta visão nacionalista gera exclusão dos estrangeiros que vivem no meio deles.
Jonas representa este povo fechado que se recusa em aceitar a salvação de outros povos.
b) Os estrangeiros
Estes, muitas vezes, vivem mais de acordo com a justiça.
A teologia do Templo exclui aqueles que vivem distantes dele. Quanto mais longe do Templo, mais longe de Deus.
Alguns sábios israelitas discordam desse fechamento e propõem a inclusão dos estrangeiros e dos pobres como herdeiros das Promessas: livros de Rute, Jô, Jonas, Terceiros Isaías e alguns salmos.
c) A presença de Deus não está restrita ao Templo
Quando Jonas reza no ventre do peixe, está olhando para o Templo. Ainda não mudou de idéia.
O livro de Jonas mostra Deus agindo na tempestade do mar, nos elementos da natureza. Um Deus que ultrapassa as fronteiras de Israel: está entre os exilados na Babilônia, em Jope, no navio, em Nínive.
No Terceiro Isaías Deus se volta para o pobre, o abatido. Deus está presente onde reina o amor e a justiça.
d) Deus perdoa até o pior dos inimigos do povo de Israel
Nínive é símbolo do império mais opressor de todos os tempos. Os assírios eram famosos por sua violência e crueldade contra os povos dominados: tributos, ameaças, deportações, destruições de cidades e aldeias.
Israel tinha passado por essa dominação durante a monarquia. O reino do Norte, Israel, e o do Sul, Judá, sofreram a mesma dominação.
No tempo em que o livro foi escrito não existem mais Nínive nem a Assíria, mas os pobres continuam debaixo da opressão de outros impérios: persa e grego.
A Mensagem de Jonas.
Ao contrário de muitos profetas que diriam profecias contra as nações, Jonas revela uma mensagem de misericórdia em relação a Nínive, símbolo do imperialismo mais cruel contra o povo de Israel (Isaías 10,5-15; Sf 2,13-15; Naum). Nínive representava os opressores de todos os tempos. A eles Jonas chama à conversão e a eles Deus concede o perdão.
A mensagem deste livro é muito mais difícil de aceitar: Deus ama também os opressores – “faz nascer seu sol igualmente para maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,45). A atitude de Jesus em relação a Zaqueu, cobrador de impostos, pode ajudar-nos a entender a mensagem do livro de Jonas. A aproximação voluntária de Jesus a Zaqueu provoca-lhe a conversão e a salvação (Lc 19,1-10).
No Livro de Jonas há um interesse divino em salvar o que estava perdido. O mesmo acontece no relato de Lucas referente a Zaqueu.
A conversão dos ninivitas não significou que eles mudaram de religião. Mudaram de vida, “de sua má vida e de suas ações violentas”. A palavra hebraica hamas sintetiza nos textos proféticos as mais diversas injustiças sociais. Esta deve desaparecer mediante a conversão.
Na mensagem do livro de Jonas, cabe aos opressores ninivitas a conversão e a aceitação de que Deus os perdoe. Jonas representa o povo oprimido que sofreu a exploração, a perseguição e o exílio da parte dos opressores.
Os judeus esperavam vingança da parte de Deus contra os inimigos. Deus propõe-lhes a conversão. Isto revolta Jonas que prefere morrer a aceitar esta proposta de Deus. Enquanto Jonas prega a destruição de Nínive, Deus concede a salvação à cidade e a seus habitantes.
O livro de Jonas quer mostrar a infinita misericórdia de Iahweh capaz de perdoar o pior dos inimigos.
Isso nos tempos de Jesus e até hoje continua um grande desafio. Onde está Jonas hoje?
O livro mostra, enfim, que a misericórdia e a graça de Deus não têm fronteiras.
Abrir-se para o outro, o diferente, superar preconceitos, desenvolver atitudes de solidariedade e misericórdia são passos que exigem uma conversão contínua em nossa vida.
Que o Deus da ternura e da compaixão seja nossa força e nos inspire diante de tantos desafios que encontramos nesta grande cidade, mais complexa do que Nínive.